sexta-feira, 1 de julho de 2011

Caiu uma estrela do céu acinzentado. Ela pensou que poderia ser um avião, ou um disco voador. Não gostava de estrelas cadentes. Chegou mais perto da janela entreaberta. Observou o céu escuro, cheio de pontos iluminados estrategicamente posicionados, de modo que pareciam uma tela pintada cuidadosamente para fazer-nos pensar. Pensou então, já que era esse o propósito de ter entrado na sala vazia, enquanto os outros se divertiam do lado de fora. Enquanto olhava para o céu, as vozes e risadas altas pareciam ficar mais e mais abafadas, como se aos poucos fosse perdendo a capacidade de ouvir. Lembrou-se das palavras que seu pai lhe disse anos atrás, "para que o mundo seja igual nós devemos mudar, Sara...", e abaixou os olhos. No parapeito da janela, ferrugem. Marcas de um tempo demorado, cujos anos, meses, dias e tardes se arrastam para uns, andam para outros. Para alguns poucos de sorte, ele corre. Para Sara, o tempo parecia sempre arrastado. Presa entre quatro paredes, sentada em sua cadeira, com seu penteado imponente e seus óculos grosseiros, que a faziam parecer mais rude do que naturalmente era. Ela gostava. Observou cuidadosamente as marcas na janela. Sentiu-as nas pontas dos dedos, tão prazeirosamente quanto se estivesse sentindo o próprio tempo que fez cada uma delas. Fechou os olhos, engolindo cuidadosamente a saliva, daquele modo que fazem as pessoas quando ficam com medo, ou quando desejam um milagre. Abriu as janelas o máximo que pôde, pensando que poderia tê-las planejado maiores. Talvez trinta ou quarenta centímetros a mais para cada lado. Talvez mais. Olhou mais uma vez para céu, e desse vez sorriu. Por alguns segundos apenas, pois não tinha mais forças para sorrir, há muitos anos. Forçara o sorriso pelo pai, sabia. Não por ela mesma. "Faça o que fizer, esteja sempre sorrindo", disse a ela certa vez. Apoiou as mãos no parapeito e sentou-se com as pernas viradas para dentro da sala. O telefone tocou. Não quis estragar o momento atendendo. Deixou que tocasse até cair na secretária eletrônica, quando ouviu: "Sara, ele saiu da cirurgia; os médicos disseram que ele está bem, estável; me ligue quando receber a mensagem; você sabe quem está falando". Tentou sorrir mais uma vez enquanto traspassava as pernas para o outro lado da janela. Sentada, olhou demoradamente para dentro. Uma mesa grande de Jatobá, de cantos arredondados e detalhes em aço escovado, ornava majestosa o centro da sala. Ao lado, não menos suntuosa, uma vitrina à Luís XVI, presente da avó quando decidira montar o escritório. Duas poltronas Coconut aguardam por convidados e uma bela cadeira alta, acetinada, faz jus à dona da sala. Cores sóbrias, meia luz. Enquanto analisava cada ponto da sala sentia-se relamente feliz, orgulhosa de tudo o que havia conquistado naquele cômodo, durante quase trinta anos. Fechou os olhos mais uma vez e voltou-se para fora. Um vento fresco batia em suas pernas, nuas a partir do joelho. Deixou que caíssem seus sapatos, um a um. Apertou as mãos no parapeito, forte e demoradamente, até que o sangue das mãos fugisse das extremidades, deixando as pontas dos dedos brancas. Enfim, saltou da janela, intrépida. Com os pés na grama molhada, caminhou em direção ao portão principal como quem caminha para uma libertação mais que esperada, mais que merecida. Caminhava como quem tem certeza absoluta de que não pretende voltar.   

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