quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Nova Cidade, 5 de dezembro de 2008



Olá,

Já que decidimos nos comunicar por cartas, e não mais por e-mails, aqui vai a primeira delas. Hoje eu estava pensando sobre uma conversa que tivemos há alguns meses, antes de me mudar. Sobre a diferença entre homens e mulheres e sobre o fato de eu não conseguir me aproximar de certos homens, e mulheres. Bom, agora você sabe que me aproximei de um homem. Ontem lembrei que estamos juntos há um mês, exatamente. No seu último e-mail você me perguntou sobre como nos conhecemos e como cheguei a esse ponto. Um mês. É meio estranho pra quem não conseguia ficar mais de uma semana com alguém. Admito. E é sobre isso que vou escrever na minha primeira carta.
Bom, sobre a nossa conversa há meses, pensei numa coisa. A diferença entre homens e mulheres não está na aparência, nos modos ou na forma como nos vestimos, falamos, agimos. Está, principalmente, na forma como lidamos com aquilo que achamos que deve ser diferente entre homens e mulheres. Se um homem faz uma loucura por uma mulher, ele é o último dos românticos. Se uma mulher faz uma loucura por um homem, ela está desesperadamente carente. É assim que nos enxergamos, uns aos outros. É isso o que eu vou tentando mudar. Vou seduzindo homens e vou fazendo loucuras. E não me importo se dizem por aí que esse papel é deles.
Tudo por aqui, entre eu e ele, entre eu e minha nova vida está muito perfeito. Muito perfeito, chega a ser redundante. É redundante. Mas não se pode escolher as palavras corretas para expressar algo indescritível. Quanto menos disser, melhor. Importa apenas que os outros tenham uma vaga idéia do que você quis dizer. E, neste caso, muito perfeito é a expressão ideal.
Eu estava na cidade há duas semanas quando nos conhecemos. Duas semanas sem emprego, sem amigos, sem vida social. Mais duas semanas e eu estaria também sem dinheiro. Recém formada, em uma cidade grande, cheia de pessoas grandes, prédios grandes, carros grandes. Pequena demais pra isso, pensei. Pequena coitada, que achou que tudo seria mais um capítulo de Sex and the City. Tudo bem, você consegue. Não será a filha pródiga. Se tiver de voltar para onde veio, será com o bolso cheio de coisas que não sejam apenas contas, um carro que não seja o seu fusca caído, e um namorado que não seja um Andrea Cardoso.
Andrea foi meu namorado na época do colégio, você não chegou a conhecer. Algo como um garoto de 18 anos, com corpo de 25 e mentalidade que transitava ora entre 10 ora entre 6 anos, de nome estranho e hábitos grotescos. As pessoas que me conhecem ainda não conseguem entender como ficamos juntos por mais de um ano. Nem eu consigo. Depois desse namoro, meus pais só conseguiram se decepcionar mais comigo quando eu disse que seria jornalista. Isso porque jornalista não usa branco, se é que me entende. Então nós terminamos, numa noite de domingo. Ninguém chorou. Acho que ele foi jogar vídeo-game com os amigos enquanto eu madrugava com os meus, com vinho e cigarros. Eu era muito ou pouco madura pra minha idade, já que beber e fumar são coisas de gente grande, e também são hábitos terríveis, imaturos.
Morar aqui não está sendo fácil. Mas eu curto a novidade, apesar do pouco dinheiro que os poucos trabalhos me trazem. Nos três primeiros dias de nova vida fiquei ocupada com as mudanças. Comprar o muito que faltava, arrumar o pouco que tinha. Estava com uma quantia razoável do que consegui guardar durante os quatro anos de faculdade, nesses tantos trabalhos exploradores de estagiário. Mais um pouco que meus pais me cederam, gentilmente. Do tipo, Isso é a única coisa que vai ter de nós, se decidiu morar sozinha, vire-se. Tudo bem, esse era apenas um detalhe. Como eu te disse, estou morando com um amigo de infância, que já morava aqui há alguns anos. Fico aqui só até consegui dinheiro pra um apartamento, expliquei. Mas nem precisava. Ele estava feliz porque poderia contar aos amigos que agora morava com uma mulher, e não precisaria desmentir boatos sobre a nossa vida sexual. Assim, ele era o garanhão que pegava a novata, mas que na verdade não pegava ninguém. Favor entre amigos, o seu teto por uma boa reputação. Feito. Você sabe que sou bem maleável com os meus amigos. Nada que envolva troca de favores sexuais, claro. Lembra da história do Sérgio? Bom, se não, deixo pra lembrar você disso em uma outra hora.
Assim, tenho uma moradia que não me sai por mais de uma centena e meia de reais mensais, já que o meu protetor arca com as despesas da casa. O que me sobrava é gasto com roupas, livros, bebidas e cigarros.
No quarto dia de nova vida descobri um Pub sensacional, com café gostoso, área de fumantes e clima propenso à boa leitura. Agradável ao extremo. Nunca haveria um lugar desses na minha área, pensei. Então, passei a freqüentar o Pub todos os dias, das seis às oito da noite, logo depois de entregar meu currículo em toda e qualquer espelunca que via pela frente. Grande problema esse de ser recém formada e não usar roupas brancas. Quem precisa de jornalista com grande experiência em fotografia quando existem milhares de pessoas detentoras de uma mega-power Cyber Shots e um Photshop CS3 no notebook?
Segunda semana de nova vida, sem emprego, quase sem dinheiro, lendo no Pub enquanto tomava um café. E aí ele apareceu dizendo, Oi, posso sentar aqui? A não ser que eu esteja atrapalhando a leitura. Claro, pode sentar, eu já tava terminando mesmo. Ele era um estranho que deixou de ser estranho em vinte minutos de deliciosa conversa. Contei a minha vida, exceto os fatos mais decadentes. Deus sabe que noventa por cento dos fatos são decadentes. E ele contou a dele. Exceto que era gay. Isso foi o que eu pensei na hora, claro. Homem alto, bonito, corpo atraente, inteligência, traços delicados, entonação de voz perfeita, cabelo roots, vestimenta simples, calça e camiseta, tênis discreto, sorriso maroto. É gay. Bom, não era. Mas disso eu só teria certeza três semanas depois. Ele gostou de mim, me achou esperta, engraçada e doce, e me chamou pra sair no dia seguinte, queria me mostrar uns lugares, umas coisas. Sem prepotência, não são palavras minhas, são dele. Você é esperta, me faz rir e tem um olhar doce. Um grande olhar doce. Desse jeito mesmo. No dia seguinte lá estava eu, cinco minutos atrasada pra não demonstrar interesse. Qual é a das mulheres? Não podem mostrar interesse? Hipocrisia, pura hipocrisia. Bom, eu nunca fui de não querer demonstrar interesse. Mas como estava certa de que ele era gay e não queria que se afastasse de mim, porque também estava certa de que seríamos grandes amigos, fingi desinteresse. Consegui isso durante os primeiros quinze minutos. Daí ele me levou à uma loja de discos e me contou a história de toda a discografia do Led Zeppelin, disse que tocava guitarra e escrevia sobre música pra uma revista de publicação independente de um tal amigo que não-sei-o-quê. Foi aí que eu me rendi, E se ele for gay eu não me importo, caso assim mesmo, pensei.
Nós saímos durante toda a semana e nos fins de semana ele me levou à alguns shows de uns amigos. Conheci diversas pessoas, de diversas formas e diversos sexos. É incrível como me sinto bem mais confortável na cidade grande, e isso não é só porque eu adoro pessoas gays. Também é por isso. Adoro fumar sem ser pressionada, adoro lugares bonitos, adoro pessoas inteligentes. Isso tudo me faz adorar a nova vida.
Três semanas saindo, conhecendo lugares, vendo coisas, fazendo novas amizades. E ele comigo. Lindo e agradável, como poucos. Ele é gay, pensava, matutava. Mas ele não tinha nada de gay a não ser o fato de não ter qualquer defeito inerente ao sexo masculino. Nada. Até o banheiro da casa dele é limpo.
Fomos à casa dele no terceiro fim de semana saindo juntos. Estávamos no Pub, sábado à noite. Teve música ao vivo e algumas taças de vinho. Ele me levou em casa, mas o meu querido amigo havia saído e a minha chave estava dentro de casa. Sem problema, vamos pra casa e de lá você liga e vê quando ele chega. Prometo que não sou um maluco que ataca mulheres lindas e inteligentes. Ele não é gay, ou está zoando com a minha cara? Não importava, Tudo bem, próxima parada, sua casa. Não muito longe dali, chegamos bem rápido. Era um apartamento pequeno, cheio de estilo e clima aconchegante. Uma sala pequena, com um sofá pequeno, algumas plantas, uma guitarra e um cachorro. O quarto não foi dessa vez. E não porque ele fosse gay, nesse mesmo dia eu teria a certeza de que não era. Mas porque, nos últimos quatro anos, foi o homem mais suficientemente homem a ponto de não propor sexo no primeiro encontro. Lindo e homem e lindo e sensato e romântico. Nos beijamos, ouvimos músicas românticas, bebemos, fumamos e dormimos juntos, abraçados, sem sexo. Sem sexo! Ele foi demais.
O beijo. Entramos no apartamento dele e eu achei tudo maravilhoso. Cada disco de vinil que enfeitava a parede da sala era maravilhoso e a cozinha limpinha e o banheiro impecável. Ele pegou algumas almofadas no quarto, trouxe um colchão de ar e um cobertor. Arrumou tudo e pediu que eu me sentasse. Conversamos por horas, sem perceber. Resolvi que ia ligar pra casa pra saber se já havia alguém, Só se for pra avisar que você tá bem, porque hoje eu quero que você fique aqui comigo. Isso olhando nos meus olhos. Louca, fiquei louca. Mas, seja difícil. Não sei se é uma boa idéia, Tudo bem se você não quiser, mas eu queria te mostrar umas músicas. Fiquei, claro que fiquei. E enquanto eu contava mais uma de minhas façanhas da puberdade tomando meu décimo não-sei-qual copo de vinho tinto delicioso ele me calou com um beijo. Depois me largou com um, Desculpa. E eu calei a próxima frase com um beijo. E assim foi. E dormimos abraçados, escutando uma música que eu não faço idéia de qual era, e vendo o chuviscar da televisão ligada em um canal qualquer.
Eu estou amando pela primeira vigésima quinta vez. Ou acho que estou amando, ainda não tenho certeza. Coisa que não fazia há anos, de qualquer forma. A mudança me fez bem, afinal. Paro por aqui porque tenho uma entrevista de emprego amanhã às oito. Te conto tudo depois. Espero sua resposta com ansiedade! E não é que essa história de carta é bem mais divertido?!

Beijos.

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2 comentários:

  1. Gostei, muito bonito esse texto. O mais legal de ler as suas coisas é nunca saber quando é verdade ou quando é ficçao. Pensei ter encontrado verdades dentro da ficçao e vice versa.

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  2. Craoll, ótima colocação!

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